A Beleza das Pequenas Coisas

Ana Aresta: “Nós, pessoas gays, lésbicas, bi, trans, intersexo, não binárias, não somos anedotas, somos poderosas!”

A presidente da ILGA Portugal – Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo – considera que, apesar dos grandes avanços na lei, o país é ainda “muito homofóbico e transfóbico”, com base em recentes relatos e estudos sobre a violência e discriminação contra estas comunidades nas famílias, escolas e outras instituições portuguesas. “Só entre 2020 e 2021 os pedidos de apoio à vítima na ILGA aumentaram 60%.” Ana Aresta alerta, no entanto, que a comunidade trans é a mais vulnerável de toda a sigla. “No caso das pessoas trans, migrantes, racializadas, nem a nossa legislação as salva. E estão a ser usadas como arma da extrema-direita para atacar os direitos humanos.” Nesta conversa, Ana Aresta explica como o ativismo a ajudou a ‘sair do armário’ e conta pela primeira vez publicamente como a psicoterapia a ajudou a tratar de feridas profundas do passado. “Percebi que tinha guardado no subconsciente um cenário de abusos sexuais na infância. Estou num processo de reconquista da minha intimidade.” Ouçam-na no podcast “A Beleza das Pequenas Coisas”, com Bernardo Mendonça

Esta conversa arranca com um diagnóstico que a presidente da ILGA Portugal, Ana Aresta, faz sobre o estado do país quanto à discriminação, violência e bullying contra a comunidade LGBTQIA+. Ana considera que, apesar dos avanços na lei, ainda há muito por fazer nestas matérias. Em particular para as pessoas trans. “É ainda difícil construir narrativas de amor na vivência das pessoas trans, com histórias de vida ou morte.” E alerta para os novos movimentos da extrema-direita que ameaçam os direitos humanos. E diz-se incrédula como existem feministas que estão contra as pessoas trans. “Custa-me perceber as pessoas que acham que a vivência das pessoas trans são um ataque ao feminismo. O ataque vem do machismo e do patriarcado. A luta e a opressão é a mesma!”

Ana Aresta é uma mulher feminista, lésbica, ativista, destemida, que tem participado ativamente na luta legislativa nacional pelo fim de muitas discriminações. Seja na eliminação das discriminações no acesso à adoção, apadrinhamento civil e demais relações jurídicas familiares; fim da discriminação no acesso às técnicas de procriação medicamente assistida por mulheres solteiras e casais de mulheres; direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa; fim da discriminação em função da orientação sexual na doação de sangue.

A ligação de Ana Aresta com a ILGA (a mais antiga associação que luta pela igualdade e contra a discriminação das pessoas LGBTI+ e das suas famílias em Portugal) começou logo em 2011, como voluntária, e aqui conta como o ativismo a salvou do silêncio e do armário e como na associação conheceu a sua mulher, a Cátia, com quem casou em 2018 e com quem mantém uma relação há 10 anos. “Na minha saída do armário foram as pessoas da ILGA que me ajudaram a retomar as palavras e a voz. Até aí, tinha muita dificuldade em dizer a palavra ‘lésbica’. Saíam-me lágrimas.”

Para lá do voluntariado na ILGA Portugal, Ana trabalhou na comunicação do PAN - Pessoa-Animais-Natureza entre 2015 e 2021, e atualmente trabalha numa associação nacional para o ambiente que luta por conservar a diversidade biológica e dos recursos nacionais, procurando um planeta mais sustentável e harmonioso. Por outras palavras, “Direitos Humanos” e “Proteção da Natureza”, são o seu nome do meio. E, por estas e outras tantas razões, a Ana tinha mesmo que vir parar a este podcast.


E que mais? Ana é alentejana, nasceu em Évora em 1989, mas cresceu em Santo Tirso, a norte do país. E durante toda a sua infância e adolescência, sem referências LGBTQIA+ mediáticas ou em seu redor Ana sentiu-se como nos sketches "the only gay in the village", da série de humor britânica, “Little Britain” — era “a única mulher gay da vila”. E, nesse contexto, Ana sofreu muitas violências. E conta como algumas dessas feridas ainda estão a ser curadas através da psicoterapia e do amor e compreensão da sua mulher.

“A minha religião é a psicoterapia. Foi com ela que percebi que tinha guardado no meu subconsciente um cenário de abusos sexuais continuados na infância praticados por outro menor do sexo masculino. Foram abusos que me criaram uma ferida muito grande e que tomaram conta da minha história e da minha sexualidade. Durante anos o sexo era complicado para mim, porque me vinham à memória os cheiros, toques e tudo o que não era bem-vindo na altura. Fiquei durante anos escondida num antro de ansiedade. Estou neste processo de reconquista da minha intimidade,” relata Ana que com este seu testemunho, quer empoderar outras mulheres e homens que como ela tenham sido vítimas de abusos sexuais. Para que não se sintam sozinhas ou sozinhos.

E chega a dizer que algumas das “feridas por cicatrizar” desta sua história pessoal a levaram a ser mais empática, mais brava e destemida a travar as tantas e tantas batalhas na ILGA, pelos Direitos Humanos, contra a violência, contra o medo, contra a vergonha e o silêncio, “para que a violência e o ódio nunca sejam normalizados pela sociedade, pela família, pelos contextos educativos ou de trabalho”. As suas diferenças passaram a ser a sua força. E a empatia é a sua grande arma. Ou super-poder.

Neste podcast, Ana relata ainda a “longa odisseia” de quase dois anos em que ela e a sua mulher estão envolvidas para serem mães, através da Procriação Medicamente Assistida (PME) e deixa algumas críticas às longas listas de espera do SNS. “O que nos levou a ter que recorrer ao privado, com dinheiro que tínhamos nas poupanças.”

E ainda fala da importância da boa vivência da sexualidade para a saúde mental e felicidade das pessoas, partilha algumas das suas músicas preferidas e lê um poema erótico da poetisa Maria Teresa Horta

Como sabem, o genérico é uma criação original da Joana Espadinha, com mistura de João Firmino (vocalista dos Cassete Pirata). Os retratos desta vez são da autoria do Nuno Botelho. A sonoplastia deste podcast é do João Martins.

Pratiquem a empatia e boas escutas!

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: BMendonca@expresso.impresa.pt

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